quarta-feira, abril 23, 2008

O médico e o louco

Aquele foi, sem qualquer dúvida, o pior episódio da minha vida. Uma novela inteira. E eu não tinha nada a falar pra responder àquele monte de besteiras que me diziam, de que ia ficar tudo bem. O mundo tinha entrado em parafuso. Mas acho que era só o meu mundo. Aí foi naquele dia, o pior da minha vida, que o médico veio falar. Assim, "na lata", sem arrodeios nem analgésico. Soltou aquela tonelada de verdades sobre meus ombros e, ainda tão novo, tive que virar adulto. Assim, de uma hora pra outra e sem dar opinião. Ele foi duro, grosseiro até: "Você não é mais criança. Não adianta pensar que tudo vai ficar bem. Eu estou lhe dizendo que não vai. Ele não vai ficar bem. É só uma questão de tempo e isso vai acontecer hoje. Se prepare para o pior dia da sua vida e seja homem. Sua mãe vai precisar muito de você hoje". E saiu sem dar mais uma palavra. Mas falou, direto, o que eu precisava ouvir.

Chorei muito, mas muito menos do que viria pela frente. Arrumei demorando, procurei a culpa em mim, não achei e fui enfrentar o inferno daquela noite. Aquele lugar era horrível, tenebroso. Tinha mesmo cara de um lugar reservado para coisas ruins. Aí naquela noite, a pior da minha vida, que o louco veio falar. Foi mais carinhoso, me abraçou de lado e me apresentou os cômodos, as salas de tortura. "Essa noite é sua. Faça o que você quiser. Chore, se quiser chorar. Ria, se quiser rir. Sua mãe vai ficar aqui. Fique aqui, se você quiser. Se esconda, se você quiser." Chorei, muito. Ri, uma única vez, e não me senti culpado por isso. Aquele dia era meu e eu podia fazer o que quisesse, não era mesmo? Me escondi. Chorei quase tudo que podia e fui dormir, exausto. Porque o outro dia era só a continuação daquele, que foi o maior e pior dia da minha vida.

Todos vieram a mim e falaram. Coisas bonitas, palavras bonitas e frases prontas. Até música pronta. E numa panorâmica eu vi cada rosto conhecido desfigurado pela tristeza, enquanto aquela caixa descia para sempre. Naquele dia de quarenta e oito horas, o médico e o louco foram mais sinceros, falaram o que eu devia ouvir. Só que o louco foi um pouco mais sensato.

Nenhum comentário: