terça-feira, abril 22, 2008

O que será que ela pensou

O cara foi morar fora, estudar. Nunca se entregou àquela viagem. O seu jeito diferente, o tipo latino, atraia olhares. No começo ele gostou, mas depois começou a ficar seriamente incomodado com aquele assédio. É óbvio que ele soube aproveitar-se disso quando era conveniente. E assim passava o tempo, com a cabeça em casa, no amor distante que deixara pra trás.

Naquele dia, acordou já de tarde, como de costume, comeu rápido num shopping ali do lado e correu atrasado para o metrô. Era a sua estratégia para aqueles dias chatos serem mais curtos. Sentou numa das várias cadeiras vazias, puxou um livro e torceu, como sempre, praquela viagem acabar logo. Ninguém olhou pra ele. Pelo menos não que ele tenha visto. Duas estações depois embarcaram duas senhoras velhas e uma menina linda, que não olhou pra ele. Nesse instante se arrependeu de não gostar que elas olhassem pra ele. Ela era linda, moreninha, pequena. Olhos meio esverdeados e um jeito meio latino também, apesar de não parecer brasileira.

Alguns minutos depois, de supetão, ela virou e pediu uma folha do seu caderno e uma caneta. O cara ficou sem entender, mas aquilo não lhe pareceu uma desculpa pra começar uma conversa. Não conversaram. Ela devolveu a caneta primeiro e quando ele já ia saindo, devolveu a folha também. Ele saiu apressado, deu alguns passos e abriu o papel. "Você lê demais! Estava com saudade. Pensava que não ia mais te ver. Preciso ter mais sorte". Naquele instante ele virou e ainda conseguiu fitar seus olhos enquanto o metrô partia. Ficou levemente apaixonado. Mais pela mágica da história do que pela moreninha.

Tiveram sorte, trocaram telefones, conversaram regularmente e se encontraram ocasionalmente. Ela estava visivelmente apaixonada. Ele gostava de passar o tempo com ela. Aqueles dias ficaram menos tristes e chatos. Mas aí o cara começou a se apaixonar pra valer. Mais pela moreninha do que pela mágica da história. E ele ficou com medo, muito medo de se envolver. Ele não podia se envolver. Dali a mais uns meses ia voltar pra casa, pra tentar arrumar o que havia deixado pra trás.

O telefone móvel dele quebrou e ela não sabia onde ele morava. Ela ligou infinitas vezes. Ele atendia, ouvia sua voz cada vez mais triste, mas ela não conseguia ouvi-lo. Ele podia usar um telefone público ou de um dos poucos amigos, claro. Mas se deteve a atender e ouvi-la chorar, como se ela soubesse que ele podia escutar. O cara foi muito filho-da-puta! Alguns dias depois as ligações foram diminuindo e acabaram. Ele sofreu muito pouco, quase nada. Foi covarde, fraco. Não quis arriscar sua vidinha tranquila. Desistiu! Só hoje, quando lhe fizeram a mesma coisa, ele ficou a imaginar: O que será que ela pensou?


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